Fatos recentes fazem acender a luz de alerta sobre o uso de novas tecnologias para restringir
liberdades públicas no Brasil. Há pouco mais de um mês, o wathsapp foi bloqueado. Em dezembro último entrou em vigor a norma da Receita Federal que acessa dados bancários digitais, sem ordem judicial. Até o pedido de impeachment da presidente Dilma foi baseado no uso descontrolado de decretos do Executivo, que foram detectados por tecnologias semânticas.
O momento brasileiro é delicado, com muitos artefatos tecnológicos sendo utilizados como
subterfúgio para supressão de liberdades. No recente caso do whatsapp, foi utilizada a justificativa de que, em um caso isolado, havia a necessidade de monitoramento. E ainda que diante de um suposto desatendimento, todo o serviço foi suspenso para todas as pessoas no País. O Brasil virou alvo de chacota em ambientes internacionais, pois havia outras soluções disponíveis (multas, prisão por desobediência), que não fossem aquela de implantar a censura contra toda a população brasileira em função de uma situação casuística. No final das contas, o bom senso acabou prevalecendo, mas ficou o alerta, pois a cultura nacional da repressão às vezes “sai do armário”.
Depois de concluir mestrado e doutorado na área de T.I., tornei-me pesquisador do assunto, com mais de 200 publicações internacionais na área de “tecnologia e governo”, inclusive tendo vencido importantes prêmios nacionais, como o Conip (Congresso Nacional de Informática Pública). Ocorre que também já vivenciei na pele o cerceamento de liberdades.
Em 2005, licenciei-me das atividades como procurador. Entre outras atividades que exerci, fui
coordenador científico do projeto de criação dos Laboratórios de Combate à Lavagem de Dinheiro e desenvolvi o software de inteligência que faz cruzamentos de dados bancários e ligações telefônicas. Mas ao constatar que havia inconformidades na utilização das tecnologias que criei (uso político das ferramentas), fiz uma série de representações aos órgãos competentes, sendo convidado para prestar depoimento em uma sessão da Câmara Federal.
Muita coisa irregular estava acontecendo, desde o assassinato de reputações, uso político de informações, até a utilização de dados para fins de extorsão financeira. Por qual razão, por exemplo, uma empresa privada, dominada por capital internacional, recebe autorização para
adquirir equipamentos de interceptação?
Ao final da sessão, escutei alguém sussurrar: “vai ter troco”. Após o ocorrido, entrou em ação a
mais baixa estratégia de guerrilha política: Dossiês Anônimos. Ao usar documentos falsos e montagens, passaram a me perseguir.
É de se lamentar que a tecnologia da informação esteja deixando de ser instrumento de
libertação pra se transformar em aparato de vigilância.
*Hugo Cesar Hoeschl é ex-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Processamento de Dados (ABEP). Ex-Presidente do Centro de Informática e Automação de Santa Catarina. Procurador da Fazenda Nacional. Ex-Promotor de Justiça. Mestre em Filosofia e TGD. Especialista em Informática Jurídica. Doutor em Inteligência Aplicada. Pós-doutor em Governo Eletrônico. Coordenador científico da metodologia nacional de combate à lavagem de dinheiro dos LAB-LD/CNPq.
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